Ernesto Che Guevara (1928-1967)
produziu uma das mais conhecidas trajetórias humanas de nosso século. Na
juventude , em 1952, fascinado por viagens , percorreria cerca de 10 mil
quilômetros em uma moto apelidada de "La Poderosa". Viajou por Machu
Picchu , nos Andes peruanos, navegou o Amazonas da balsa, atravessou o deserto
de Atacama , no Chile , conheceu povos indígenas e minerios comunistas. Durante
a viagem , escreveu um diário no qual relatava o choque que lhe provocavam a
pobreza , a injustiça e as arbitrariedades que encontrava pelo caminho. Em
1955, já formado em medicina , tornou-se guerrilheiro e um dos primeiros
comandantes das forças que depuseram o ditador Fulgêncio Batista em Cuba ,
instalando Fidel Castro no poder. Guevara chegou a ser ministro da Economia do
país, quando em 1961, na gestão de Jânio Quadros , foi condecorado com a Ordem
Nacional do Cruzeiro do Sul, a mais alta comenda brasileira. Posteriormente , através do
"foquismo" - estratégia da guerrilha que consistia em criar focos de
insurreição , visando criar um regime radical de esquerda -, comandou grupos
guerrilheiros que tentaram fazer a revolução socialista no Congo Belga
(África), uma tentativa desastrosa de conferir sentido a uma enorme diversidade
de conflitos tribais. Depois , dirigiu um movimento guerrilheiro no interior da
Bolívia entre março e outubro de 1967 , onde foi capturado no dia 8 de outubro
, no sudeste do país, em enfrentamento com tropas bolivianas , sendo executado
no dia seguinte. A maestro brasileiro Júlio Madaglia conta que foi "uma
época incrível (1967 e 1968). Tudo acontecia junto. Ao mesmo tempo em que
fervilhavam acontecimentos políticos , também era um momento de grande agitação
cultural . [...] Lembro um dia em que
estávamos (Gilberto Gil, Caetano Veloso , Torquato Neto , etc.) no hotel
Danúbio discutindo as faixas do disco Tropicália e ouvimos a notícia da morte
de Che Guevara . Foi quando Caetano Veloso teve a ideia de fazer "Soy Loco
Por Ti América". Guevara , desde o momento de sua morte , se converteu no
símbolo da transformação política e das sublevações ideológicas introduzidas
naquela década. Como afirmou o cineasta Arnaldo Jabor, "Che Guevara era o
ídolo que incendiava todas as mentes , inclusive no despertar de um
comportamento violento em que se inovava a ternura , como se esta pudesse
misturar-se com o uso da força e as manifestações da vida e do ódio". O
mesmo jabor narra um episódio vivido no Festival de Veneza de 1967 : " A
revolução era elegante , com ar condicionado , belas mulheres em volta. Minha
consciência estava em paz , nosso mundo tinha um sentido, a história ia
florescer pela mão de artistas e guerrilheiros. A direita seria destruída com a
beleza. Minha felicidade plena durou apenas uns cindo minutos, porque, logo
depois, entrou correndo pelo salão do Excelsior o Carlos Fuentes, o escritor
mexicano , vestido de branco como um camponês de Zapata (líder da Revolução
Mexicana de 1910) , que partiu gritando para nossa mesa : 'Mataron El Che!
Mataron Che Guevara en Bolivia!". Glauber [cineasta brasileiro] gritou.
Pasolini [cineasta italiano] ficou pálido e sorriu com cético amargor. Horas
depois , já víamos nas revistas a imagem de um Cristo assassinada na floresta latina. Como um relâmpago
, eu vi que alguma coisa se fraturava ali em Veneza. Visconti [outro cineasta
italiano] passou e nos deu um olhar vazio . [...] Os heróis políticos eram
mortais e talvez a história fosse mais
suja do que pensávamos. " a foto de Aleando Korda em que Che Guevara
aparece usando boina preta, com cabelos ao vento e o olhar no horizonte, num
aparente momento de fúria mitológica, não apenas se erigiu no principal
elemento decorativo de centenas de manifestações do final dos anos 60, como
também personificou boa parte dos sentimentos e das esperanças dos
manifestações. A imagem é a mais vendida da História, vista milhares de vezes
em pôsteres , chaveiros , camisetas , pratos , canecas. Ironicamente Che Acabou devorado pela indústria cultural.
O guerrilheiro , porém, ainda hoje mantém a aura romântica do herói. A
proliferação das biografias (pelo menos seis nos Estados Unidos , Europa e
América Latina) , de filmes de longa-metragem e de uma variedade de
documentários mostra que Che permanece na moda , como mito pop e como
guerrilheiro revolucionário. Guevara morreu num instante em que o mundo , a
sociedade e a política pareciam passíveis de transformação.