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terça-feira, 12 de junho de 2018

No Meio Do Silêncio


  Há muito que o Natal deixou de ser uma festa religiosa. No seu aspecto positivo , virou festa de congraçamento , sobretudo no seio da família , é a data em que todos voltam a comer juntos , ao menos peru e uma rabanada. No aspecto negativo , é o grande festim do consumo , presidido por esse chato e mercadológico "Bom Velhinho" , que seria tolerável num filme de Frank Capra. É uma pena . Porque o Natal , mesmo sem qualquer conotação religiosa , sem qualquer compromisso confessional, lembra uma antiga e inarredável aspiração humana : a de um Deus entre nós , com a nossa carne . E passa despercebido a beleza daquilo que Renan considerou "o mais belo drama pastoril da humanidade". Independentemente do dogma e da fé , é comovente a história daquela judiazinha de 15 anos que aceitou sem espanto o anúncio do anjo de que geraria um Deus. Daquele carpinteiro que de repente , sem aviso prévio , foi comunidade de que sua mulher geraria um Deus - e se tornou guardião da mulher e do menino. E os pastores que velavam na imensa noite do deserto viram falanges de anjos dando glória a Deus nas alturas e receberam o convite para ir ver o menino. E foram. O evangelista usa o verbo exato : "transeamus", vamos até Belém. Não adianta receber a mensagem e continuar na mesma. Ir é preciso. E tudo se passou no meio de um grande silêncio, "dum medium silentium". Somente no silêncio há espaço e tempo para ouvir a mensagem , para realizar o trânsito em direção ao novo , ao que acaba de ser revelado.  E é nesse silêncio que curto o meu Natal, Natal ainda pagão , mas com pena de continuar pagão no meio de tanta luz que inundou a Lagoa. Espero a noite ir alta , quando todos estão dormindo profundamente. Não ouço nenhuma voz , não vejo nenhum anjo no céu. Mesmo assim , espero.

Carlos Heitor Cony. Reproduzido do Jornal Folha de S.Paulo, São Paulo, 25 dez. 1996. Fornecido pela Agência Folha.

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