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terça-feira, 12 de junho de 2018

Nova Humanidade?


   Notícias de possíveis bebês clonados esquentam o debate sobre os riscos e promessas da genética , uma ciência que faz sonhar e temer. - Por Flávio Lobo.

Numa possível visão do futuro , em breve , a divisão das pessoas em meras classes sociais será apenas uma doce lembrança. No lugar delas haverá , no mínimo , três grandes grupos : os super-humanos , os infra-humanos e , em número cada vez menor , os "só humanos". A separá-los , não apenas diferenças socioeconômicas ou culturais , mas características biológicas tão evidentes e intransponíveis quanto as que diferenciam um pequinês de um dobermann (ambas raças caninas "fabricadas" pelo homem). Seremos uma sociedade repleta de seres humanoides (os "infra") incompletos , limitados , obedientes ou vegetativos , criados com a única finalidade de servir , como escravos ou fornecedores de órgãos , tecidos e células , a seus senhores (os "super"). Entre os dois extremos , uma nova "classe média" composta de pessoas como você e eu, ávidos por uma possível mas improvável promoção à casta superior e sob a constante ameaça de rebaixamento ao nível subumano. Os seres humanos "tradicionais" ou "orgânicos" (como os alimentos não transgênicos e sem agrotóxicos) entraram em processo de extinção , contaminados por características genéticas decorrentes de manipulação , adquiridas através de terapias e medicamentos gênicos e pela inevitável miscigenação entre os três grupos biossociais. Como não há progresso científico sem acidentes de percurso , monstros e aberrações vão surgir em quantidades crescentes. No início , eles serão gerados e destruídos ou confinados nos laboratórios, mas , com o tempo , ganharão as ruas e acabarão por contaminar toda a humanidade ou "pós-humanidade" com seus defeitos e mutações genéticas incontroláveis. Outros enxergam um cenário futuro completamente diferente. Uma humanidade livre de doenças e defeitos genéticos , composta por pessoas orgânica e psicologicamente equilibradas que viverão cada vez mais e melhor. Um mundo tão harmônico e aprazível que até as mais graves lesões e mutilações causadas por acidentes serão facilmente remediadas por meio da substituição de partes do corpo sem risco algum de rejeição imunológica ou de falta de estoque. Benefícios estes que seriam estendidos a parcelas cada vez maiores da população do planeta , como a luz elétrica e o telefone. O inferno e o paraíso geneticamente fabricados : duas visões delirantes ? Provavelmente. Mas que são frequentemente evocadas ou sugeridas no debate mundial sobre as oportunidades e os riscos da ciência genética.

Carta Capital . São Paulo . Confiança , n. 223 , 15 Jan. 2003.

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