Não há nada que diferencie tanto a sociedade
ocidental de nossos dias das sociedades mais antigas da Europa e do Oriente do
que o conceito de tempo. Tanto para os antigos gregos e chineses quanto para os
nômades árabes [...] , o tempo é representado pelos processos cíclicos da
natureza , pela sucessão de dias e noites , pela passagem das estações. Os nômades e os fazendeiros costumavam medir
- e ainda hoje o fazem - seu dia do amanhecer até o crepúsculos e os anos em
termos de tempo de plantar e de colher , das folhas que caem e do gelo
derretendo nos lagos e rios. O homem do campo trabalhava em harmonia com os elementos
, como um artesão , durante muito tempo quanto julgasse necessário. O tempo era
visto como um processo natural de mudança e os homens não se preocupavam em
medi-lo com exatidão. Por essa razão , civilizações que eram altamente
desenvolvidos sob outros aspectos dispunham de meios bastante primitivos para
medir o tempo : a ampulheta cheia que escorria , o relógio de sol inútil num
dia sombrio , a vela ou lâmpada para onde o resto de óleo ou cera que
permanecia sem queimar indicava as horas. Todos esses dispositivos forneciam
medidas aproximadas de tempo e tornavam-se muitas vezes falhos pelas condições
do clima ou pela inabilidade daqueles que os manipulavam. Em nenhum lugar [...]
, havia mais do que uma pequeníssima minoria de homens que se preocupassem
realmente em medir o tempo em termos de exatidão matemática. O homem ocidental
civilizado , entretanto . Vive num mundo que gira de acordo com os símbolos
mecânicos e matemáticos das horas marcadas pelo relógio . É ele que vai
determinar seus movimentos e dificultar suas ações. O relógio transformou o
tempo , transformando-o de um processo natural em uma mercadoria que pode ser comprada ,
vendida e medida como um sabonete ou um punhado de passas de uvas. E, pelo simples
fato de que , se não houvesse um meio para marcar as horas com exatidão , o
capitalismo industrial nunca poderia ter se desenvolvido, nem teria continuado
a explorar os trabalhadores , o relógio representa um elemento de ditadura
mecânica na vida do homem moderno, mais poderoso do que qualquer outro
explorador isolado ou do que qualquer outra máquina. [...] A princípio , esta
nova atitude em relação ao tempo , este novo ritmo imposto à vida foi ordenado
pelos patrões , senhores do relógio , e os pobres o recebiam a contragosto . E
o escravo da fábrica reagia , nas horas de folga , vivendo na caótica
irregularidade que caracterizava os cortiços encharcados de gim dos bairros
pobres no início da era industrial do século XIX. Os homens se refugiavam no
mundo sem hora marcada da bebida ou do culto metodista. Mas aos poucos , a
ideia de regularidade espalhou-se , chegando aos operários. A religião e a
moral do século XIX desempenharam seu papel , ajudando a proclamar que
"perder tempo" era um pecado. A introdução dos relógios , fabricados
em massa a partir de 1850 , difundiu a preocupação com o tempo entre aqueles
que antes se haviam limitado a reagir ao estímulo do despertador ou à sirene da
fábrica. Na igreja e na escola , nos escritórios e nas fábricas , a
pontualidade passou a ser considerada como a maior das virtudes. E desta
dependência servil ao tempo marcado nos relógios , que se espalhou
insidiosamente por todas as classes sociais no século XIX, surgiu a
arregimentação desmoralizante que ainda hoje caracteriza a rotina das fábricas.
O homem que não conseguir se ajustar deve enfrentar a desaprovação da sociedade
e a ruína econômica - a menos que abandone tudo , passando a ser um dissidente
para o qual o tempo deixa de ser importante. Refeições feitas às pressas , a
disputa de todas as manhãs e de todas as tardes por um lugar nos trens e nos
ônibus , a tensão de trabalhar obedecendo a horários , tudo isso contribui ,
pelos distúrbios digestivos e nervosos que provoca , para arruinar a saúde e
encurtar a vida dos homens. [...] O
critério passa a ser de quantidade e não de qualidade e já não há mais o prazer
do trabalho pelo trabalho . O operário transforma-se , por sua vez , num
especialista em "olhar o relógio" , preocupado apenas em saber quando
poderá escapar para gozar suas escassas e monótonas formas de lazer que a
sociedade industrial lhe proporciona ; onde ele , para "matar o
tempo" , programará tantas atividades mecânicas com tempo marcado , como
ir ao cinema , ouvir rádio e ler jornais , quanto permitir o seu salário e seu cansaço.
WOODCOCK , George . A Rejeição da Política.
Disponível em : <http://www.antigreja.hpg.com.br/ditaduradorelogio.htm>.
Acesso em : 22 set. 2009.