"Onde foi que nós
erramos? É a famosa pergunta feita pelos pais quando o filho se desvia do que
eles consideram o "bom caminho". Da mesma forma , os
"explicadores" do Brasil vêm tentando , sem muito sucesso , encontrar
as razões que impedem nosso país de deslanchar e o mantêm pobre e desigual ,
distante do ideal que para ele traçamos , como se ele fosse apenas uma promessa
permanente, um eterno devir. Não que não haja explicações , apenas elas não são
convincentes. E ficamos sem entender como é que um povo que enxergamos tão
esperto e cordial , vivendo numa terra que achamos tão generosa , não chegou
ainda ao tão ansiado Primeiro Mundo . [...] Por mais que isso fira a lógica ,
fazemos parte de uma nação sem a ela pertencer , não assumimos ônus e
responsabilidade da cidadania , sob o pretexto de não termos sido consultados
pela nação que escolheu 'esse povinho' que está aí. Isso nos exime da
responsabilidade sobre os desmandos dos governantes , a inoperância da polícia
, os sistemas previdenciários [...] , de saúde [...] e da educação [...] e o
transporte coletivo [...]. Reclamamos contra as ruas inundadas durante as
chuvas , mas cimentamos todo o nosso terreno e construímos o dobro da planta
aprovada na prefeitura. Declaramo-nos chocados com a violência no trânsito ,
mas transformamos as ruas (incluindo as faixas de pedestres) em espaço de
competição , onde nos sentimos como El Cid derrotando os mouros. Somos
esquizofrênicos sociais, divididos em nossa autoimagem generosa e
primeiro-mundista e nossa prática egoísta e autoritária. Enquanto nosso espelho nos mostra bons e
cordiais , nosso comportamento nos revela preconceituosos e agressivos. Como
estudantes preguiçosos , não assumimos a responsabilidade de nossas ações e
atribuímos aos outros a culpa pelo nosso fracasso. Se não tivéssemos sido
objeto do saque colonial ... Se o clima fosse mais frio, nossas avós fariam
conservas , o que aumentaria o valor agregado de nossos produtos agrícolas , já
que exportaríamos doce de graviola e goiaba , e não a fruta a granel... Se , se
, se. A verdade é que não assumimos ainda as responsabilidades decorrentes a
quem pertence a uma sociedade complexa , baseada em contratos sociais que só
funcionam se forem cumpridos por todos , o que inclui , é claro , responsabilidade social, produto
escasso por estas bandas. O fato de o Estado ter precedido a Nação no Brasil
talvez seja o motivo principal de haver um divórcio tão profundo entre governo
e sociedade , mas o reconhecimento desse "pecado original" não nos
exime de uma prática social adequada aos objetivos que alegamos desejar ao
nosso país. [...] O Brasil tem futuro? Tem , sim, e é o futuro que decidirmos
dar a ele. Sem determinismos geográficos , ou econômicos. Sonhar grande é
insuficiente . Há que construir este
sonho , pedra a pedra. Mais difícil que extrair petróleo e gás do fundo do mar
será construir uma nação mais justa, sem o populismo que tem servido para
escamotear as as desigualdades, por meio
de esmolas concedidas pelo poder. Cabe a nós decidir se queremos nos lançar a
essa empreitada.
-PINSKY , Jaime. O Brasil
no Primeiro Mundo. Estudos e Pesquisas, Rio de Janeiro : n. 225, maio 2008.