Com uma circulação muito reduzida entre nós ,
as literaturas africanas de língua portuguesa podem se tornar um excelente
caminho de aproximação com matrizes importantes da nossa formação cultural. A
leitura de autores como Agostinho Neto, Baltasar Lopes , Germano de Almeida ,
José Caveirinha , José Luandino Vieira , Luís Bernardo Honwana , Pepetela , Mia
Couto , Noémia de Sousa , Ruy Duarte de Carvalho e Uanhenga Xitu , entre tantos
outros , possibilita a entrada em mundos que , guardando hoje tantas diferenças
, estão presentes na construção da nossa identidade. Conhecer (e reconhecer) a
África por meio de homens e mulheres que produzem arte ajuda-nos a compreender
a nossa própria História e os impasses que temos que enfrentar no processo de
conquista de uma sociedade mais justa. Mesmo envolto em nuvens de equívoco , o
Brasil, sobretudo a partir dos anos 1940 , funcionou como um porto de utopias e
essa imagem desempenhou um papel determinante na condução da luta pelas
independências. Escritores como Jorge Amado , Manuel Bandeira , Graciliano
Ramos ,José Lins do Rego, Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa marcaram
profundamente o imaginário de seus colegas da outra margem do Atlântico e
daqueles que tinham o oceano Índico como limite. Essa ex-colônia , que tinha
conquistado sua independência e abrigava tantos filhos da África , parecia um
exemplo a ser seguido. Ao catalisar simpatia , impulsionava a esperança tão
necessária. O conhecimento das literaturas africanas permite , dessa maneira ,
descobrir outras faces do país em que vivemos.
Esse significativo repertório, além do mais , nos põe em contato com
maneiras muito variadas de fazer da língua portuguesa um instrumento de
expressão de tão diferentes modos de estar no mundo. A partir de diversas
formas de apropriação da sintaxe e da renovação do léxico , os africanos vão
assegurando novos contornos à língua que herdaram num doloroso e
prolongadíssimo processo de dominação colonial. Aprendendo bem a concepção de
modernismo brasileiros , escritores de Angola , Cabo Verde , Guiné-Bissau ,
Moçambique e São Tomé e Príncipe investiram e investem seu talento em operações
criativas cujo objetivo é aproximar a língua literária das modificações que os
falantes impõem ao idioma no jogo do cotidiano. Libertam-se , assim, de outras
amarras legadas pelo colonialismo. Ignorar essa produção significa desconhecer
formas vivas e interessantes da nossa própria língua que os povos africanos
ajudam a enriquecer. -Depoimento escrito especialmente para a Coleção da
Prof(a). Dra. Rita Chaves - Diretora do Centro de Estudos Portugueses da
Universidade de São Paulo.