Saiba Mais

Translate

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Do Neorrealismo Ao Novo Romance Português


Em sua eclosão, nos anos 1940 , o Neorrealismo português esteve intimamente associado  a duas formas de resistência política contra o "Estado Novo" (1933-1947) - regime totalitário instituído por Antônio de Oliveira Salazar - e a resistência artística contra o "descompromisso" entre arte e realidade social que caracterizou o Presencismo. Se o excessivo caráter de engajamento desse movimento e aproximou do conteudismo e do populismo num primeiro momento , nas décadas de 1950 e 1960 ele ganhou em consistência artística , apresentando o enfraquecimento da intenção meramente documental e o fortalecimento da ambiguidade , da elaboração estética da linguagem e da análise piscológica.  Nesse contexto , assistimos à deputação estilística dos escritores já mencionados e também à correção de percursos e ao despontar de novos talentos.  Vergílio Ferreira , por exemplo, começou como neorrealista e posteriormente renunciou ao movimento , optando por uma idealização estética em que o sentido do sagrado predomina , como se vê no romance filosófico "Alegria Breve" (1965). A ele acrescenta-se Augusto Abelaira , autor de "A Cidade das Flores" (1959) , romance de estrutura alegórica , que ironiza a consciência dramática da história e a ambiguidade essencial da escrita. Os anos 1960, que intensificaram a exploração das possibilidades estéticas de novo romance (de origem francesa) , podem ser representados por José de Almeida Faria , autor de "Rumor Branco" (1962) , livro dominado por uma mitologia da adolescência como idade caracterizada pela revolta contra qualquer tipo de opressão e também pela percepção do mistério das origens do ser no mundo.  Em 1974, a Revolução dos Cravos renovou inteiramente o cenário da literatura portuguesa , possibilitando  a gestação de um processo evolutivo que permanece fecundo até os nossos dias. Ao longo desse processo, alguns autores se impõem vigorosamente , com o sabor de revelações , pois constituem os mais conhecidos e admirados representantes da prosa portuguesa contemporânea . Há , por exemplo, aqueles que redescobrem  universos socialmente ignorados , sem voz nem visibilidade , como o rural e o dos trabalhadores anônimos , tendo objetivo um processo narrativo marcado pela busca de singularidade. Nesse sentido , Agustina Bessa-Luís e José Saramago , entre muitos outros , merecem destaque .  Autora do premiado "Sibila" (1954), Augustina é uma unanimidade , uma das vozes mais fecundas do romance contemporâneo português . Cronista exemplar , desbruçou-se nas camadas da cultura oral , nos serões onde as "pequenas gentes" do interior criam estórias dentro de estórias , estilhaçando a noção de tempo. Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1999 e considerado um dos grandes escritores portugueses contemporâneos, José Saramago é autor de vasta obra , entre romances , crônicas e poesias. Seu projeto ideológico , em textos que mesclam história e ficção , é dar voz a quem até hoje não teve lugar na história oficial portuguesa , o cidadão comum. Nesse sentido , vai ao encontro da proposta da geração dos escritores neorrealistas de reescrever a história dos portugueses a partir da perspectiva marxista. Levantado do Chão (1980) , obra que o iniciou na notoriedade , tematiza a vida de uma família de trabalhadores rurais da região do Alentejo , no sul de Portugal. O engajamento dos romances de Saramago é claramente perceptível na livre manifestação de sua imaginação utópica. A densidade artística e ideológica que encontramos nos textos que recriam esteticamente a oralidade confirma o exercício de uma fecunda capacidade criativa e solicita uma atitude reflexiva por parte do leitor. Desse modo , as experiências que relata dizem respeito sobretudo ao povo português , mas não deixam de dialogar com todos os que pretendem ser sujeitos de sua própria História.

Anuncios