Vai um dia , uma semana , um mês . Vai o inverno, o verão. As mesmas festas , os mesmos clubes , os mesmos cinemas. Os amiguinhos é que mudam . Não suportava uma semana a mesma cara, a mesma voz, os mesmos beijos. Vem o carnaval , fantasiou-se de camponesa russa - que loucura! Para as noites de casa tem os romances emprestados , as revistas , os jornais dos hóspedes. Tem o rádio do vizinho também. É desgraçado de fanhoso , mas é rádio. Tem seu Alberto sempre amigo , sempre de violão , animando-a:
-Que linda voz!
-Pelo senhor eu já estava no rádio , não é, Seu Alberto?
-Por que não? Há muitas piores que lá estão.
Leniza confundia-o :
-Está ouvindo, mamãe? Piores.
Dona Manuela ria , ele ria também:
-É uma maneira de dizer.
- Eu sei! ...
Dona Manuela achava que era preciso muito pistolão. Seu Alberto achava que seria bom ela tentar. Ir a uma estação, cantar para eles ouvirem... Voz tinha. Graça também. Quem sabe? Ia falando, falando... - a voz mole , arrastada , quase feminina. Dona Manuela insensivelmente dando corda : - É, não é... - Leniza não ouve - sonha. Ela cantando. Ela ouvida pela mãe, por Seu Alberto, pelo vizinho , por todo mundo. Ela ganhando dinheiro, muito dinheiro, ela se vestindo bem , corada à beça , com retrato nos jornais todos os dias. Seu Alberto só chama Leniza de senhora , de dona :
- A senhora também não acha, Dona Leniza?
Leniza acorda :
-O quê?
-Que não há outra como a Carmem Miranda.
-Que dúvida!
Dona Manuela não acha . Gosta dela sim , mas gosta mais de Araci Cortes. Acha-a mais mimosa. Tinha-a visto no teatro , há muito tempo , poucos dias antes de o marido cair entrevado, coitado. Muito mimosa. Seu Alberto ria :
-Qual, Dona Manuela , a senhora está muito atrasada. A Araci é material da Monarquia. [...]
¤Marques Rebelo. A estrela sobre. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1986.