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quarta-feira, 15 de abril de 2020

Conforto da Religião


Para muitos filósofos , a questão sobre o sentido da vida remete a uma explicação geral , a um fundamento único sobre o qual são estabelecidos os sentidos de cada uma de nossas vidas individuais . Eles não estão à procura de um significado particular para cada vida , mas , sim , de um significado único que se relacione com a vida de toda a humanidade. Em geral , essa é a abordagem dos pensadores religiosos , para os quis a existência humana na Terra se explica por um propósito divino . Porém , a busca por um fundamento último para explica o sentido da vida humana não é exclusividade dos filósofos religiosos. Pensadores gregos antigos , como Platão e Aristóteles , explicavam a existência humana com base na ideia a alma humana tende para o bem ou com base em uma oposta racionalidade do cosmo do qual o ser humano faria parte. Em outras palavras , para eles , embora não acreditassem na existência de um Deus pessoal , como o do cristianismo , também havia um sentido único para a existência humana que era vitalício para cada ser humano em particular. De qualquer  modo , no pensamento religioso encontramos uma expressão particularmente clara do modelo do quebra-cabeça . Para dar sentido à vida , juntamos as peças de um argumento que , ao final, revelará a imagem de um Deus bom , inteligente e amoroso que criou o mundo e dá sentido ao absurdo da existência humana. Essa , por exemplo , é a visão do pensador dinamarquês Sören Kiekegaard , que viveu no século XIX (você já conheceu algumas ideias dele no capítulo anterior). Para esse filósofo , a inevitabilidade da morte tornava absurda qualquer iniciativa do ser humano . Pra fugir da angústia e do desespero , poderíamos buscar a distração com os prazeres do mundo , poderíamos dar um "salto no escuro", por meio da experiência religiosa. É essa terceira possibilidade que Kierkgarrd acreditava ser mais acertada. Ainda no século XIX , Tolstói apresenta-se como outro exemplo de um pensador que buscava na religião a resposta para a questão sobre sentido da vida. Já vimos que Tolstói , na velhice , sentia-se em crise, como se estivesse se segurando em um galho e como se nada mais em sua vida fizesse sentido . Em suas próprias palavras:

"Eu tinha simplesmente entendido que a vida não tem sentido , eu poderia ter sido capaz de aceitar isso tranquilamente; eu poderia ter reconhecido que essa era a minha sina. Mas eu não conseguia me contentar com isso. Se eu tivesse sido como um homem que vive numa floresta da qual ele sabe que não há saída , eu poderia ser capaz de continuar a viver; mas eu era como um homem perdido, como um homem que estivesse andando apressadamente , esperando encontrar caminho e sabendo que cada passo ia em direção a uma confusão ainda mais profunda , e que ainda assim não conseguia deixar de andar apressadamente."

Tolstói, Liev. Confession. New York : W.W. Norton , 1983. p. 32-33. (tradução do autor.)

Ao procurar consolo para sua angústia nos escritos de filósofos , Tolstói chegou à conclusão de que o pensamento racional abordava suas preocupações de maneira muito vaga e impessoal . Por esse motivo , ele passou então da Filosofia à religião , como ele mesmo nos conta:

"Tendo entendido isso , percebi que eu não podia procurar uma resposta para minha pergunta no conhecimento racional . A resposta dada pelo conhecimento racional é meramente uma indicação de que uma resposta pode ser obtida somente por uma formulação diferente da pergunta , ou seja , somente quando o relacionamento entre o finito e o infinito é introduzido na pergunta. Eu também percebi que , não importa o quão irracional e pouco atrativas possam ser as respostas dadas pela fé , elas têm a vantagem de trazer a cada resposta uma relação entre o finito e o infinito , sem a qual não pode haver resposta . Entretanto, eu posso colocar a questão de como devo viver e a resposta é : de acordo com a lei de Deus. Há alguma coisa verdadeira que acontecerá a mim ? Tormento eterno ou felicidade eterna. Que sentido há que a morte não destrua? União com o Deus infinito , paraíso."

Tolstói , Liev. Confession . New York : W.W. Norton, 1983. p.60. (Tradução do autor.)

Tanto para Tostói como para maior parte dos filósofos religiosos , a crença em um ser supremo governando o Universo poderia trazer conforto à angústia do ser humano. Lois Hope Walker , por exemplo , uma pensadora cristã contemporânea , argumenta que a crença em Deus sustenta nossa confiança na justiça , fornece um fundamento para a ideia de que os seres humanos são todos iguais e alimenta a nossa esperança de uma vida após a morte e de que , ao final , o bem triunfará sobre o mal . Acreditar em Deus , contudo , exige um ato de fé. Assim , a explicação religiosa é suficiente somente para aqueles que aceitarem dar esse "salto no escuro". 

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