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quarta-feira, 15 de abril de 2020

As Ideias Em Uma Perspectiva Histórica


As principais questões colocadas pela Filosofia são comuns a diversos povos e a várias épocas. Reflexões filosóficas sobre o sentido da vida e da morte , o bem e o mal , o conhecimento , o ser , a beleza  e a justiça ocuparam a mente dos filósofos do passado e continuam sendo importantes até os dias de hoje. Por causa disso , podemos dizer que os textos de filósofos do passado são tão relevantes hoje em dia como na época em que foram escritos. Mas não podemos nos esquecer de que o desenvolvimento da Filosofia se deu ao longo da história , por  indivíduos particulares , que viveram contextos sociais , políticos , econômicos e existenciais também particulares. As pessoas do passado, como nós , pensavam , conversavam , amavam , trabalhavam . No entanto , o que elas pensavam , sobre o que conversavam , etc., tudo isso era diferente . Assim , se interpretarmos os textos filosóficos do passado de acordo com os conhecimentos e valores do presente , corremos o risco de não entendê-los bem . Esse é um erro muito comum chamado anacronismo. É por isso que o estudo da história da Filosofia é fundamental : conhecendo o contexto específico em que um filósofo viveu e escreveu , podemos ter maior clareza quanto ao tipo de indagação que ele procurava responder. Entre os defensores de uma abordagem contextualista para o estudo da história das ideias, destaca-se o historiador britânico Quentin Slinner. Para ele , o maior problema e grande fonte de equívocos de escritos de pensadores do passado é ler esses escritos como se fossem nossos contemporâneos, ou buscar neles uma "sabedoria perene"  a forma de "ideias universais", desligadas do contexto histórico no qual foram produzidas. Para Skinner , o estudo da história do pensamento com base apenas na estrutura interna dos textos do passado incorre geralmente em três tipos de erros : a mitologia da doutrina , a  mitologia da coerência e a mitologia da prolepse. 
A mitologia da doutrina consiste na:

"[...] expectativa de que cada autor (digamos na história das ideias éticas ou políticas) será encontrado enunciando alguma doutrina sobre cada um dos tópicos que se supõe fazerem parte de seu objeto de estudo."
Skinner, Quentin . Meaning and undestandign in the History os ideias. History and Theory , v.8 , n, 1 , p.7 , 1969.

Por causa dessa atitude , corremos o risco de tomar um conjunto de observações dispersas como constituindo uma "doutrina' que o próprio autor nunca formulou. A mitologia da coerência consiste na atribuição antecipada de uma unidade nos escritos de um mesmo autor o que nem sempre se verifica . Essa atitude leva o intérprete de textos do passado a desconsiderar ou reduzir a importância de passagens do texto que pareçam contradizer a coerência do todo , quando de fato elas podem ser indício de incertezas do próprio autor quanto ao assunto sobre o qual ele escreve. Finalmente , a mitologia da prolepse diz respeito à consideração de eventos posteriores à escrita do texto , e que certamente não estavam na mente do autor no aumento da escrita. Por exemplo : as obras do filósofo John Locke , escritas no século XVII , serviram de inspiração para movimentos revolucionários  no século XVIII.  Mas será que Locke tinha ideia das implicações revolucionárias que seus textos ganhariam no século XVIII? Há motivos para crer que não. Assim , Skinner defende a ideia de que o papel principal da história das ideias é recuperar as intenções primárias , o que o autor "realmente quis dizer" , sendo fundamental conhecemos o contexto em que o autor vivia.

" 1. Nós devemos recuperar as intenções do autor do escrever , de modo a entender o significado do que ele escreve.
2. De modo a recuperar tais intenções é [...] essencial cercar o texto dado com um apropriado contexto de suposições e convenções com base nas quais o significado exato pretendido possa ser decodificado.
3. Isso leva à crucial conclusão de que um conhecimento dessas suposições e convenções dava ser essencial ao entendimento do sentido do texto."
-Skinner , Quentin, Hermeneutics and the role of history. New Literary History, 7 , p.216, 1975/1976.

A ênfase que Skinner dá à relação entre texto e contexto é importante para evitar interpretações anacrônicas dos textos filosóficos do passado. Contudo , é importante lembrar também que nenhuma leitura é neutra e objetiva . Nosso interesse pelo passado  é dirigido em grande parte pelas preocupações do presente. É esse o posicionamento do filósofo alemão Ernst Cassirer (1874-1945).

"Uma nova compreensão do passado nos dá , ao mesmo tempo , uma nova perspectiva do futuro , que , por sua vez, se transforma num impulso para a vida intelectual e social. Para esta dupla  visão do mundo em perspectiva e em retrospecto, o historiador precisa escolher seu ponto de partida . Não pode encontrá-lo senão em seu próprio tempo , nem pode ir além de sua experiência presente. O conhecimento histórico é a resposta a perguntas definidas , que tem de ser dada pelo passado ; mas as próprias perguntas são ditadas pelo presente - por nossos interesses intelectuais presentes e por nossas necessidades morais e sociais presentes."
- Cassirer , Ernst. Antropologia filosófica . São Paulo: Mestre Jou, 1977 . p. 282.

Assim , por mais que seja válido o esforço de entendermos os pensadores passado em seus próprios termos , não podemos nos esquecer de que o estudo da história da Filosofia se faz com base em questões que o presente lança ao passado. O estudo histórico da Filosofia é importante não porque busca reconstruir o pensamento do passado , mas porque esse pensamento ajuda a iluminar o presente. 

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