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quarta-feira, 12 de junho de 2019

Narrador Onisciente


O narrador-onisciente é mais complexo. Conta a história em 3¤. Pessoa , mas , às vezes , permite-se certas intromissões falando na 1¤ pessoa. Como o nome revela , ela sabe tudo sobre as personagens e sobre o enredo. Sabe o que se passa no interior das personagens , conhece suas emoções e seus pensamentos mais íntimos , revela muitas vezes dimensões inconscientes das personagens : sabe mais delas do que elas mesmas. Pode , até mesmo , revelar suas vozes interiores , seu fluxo de consciência , em 1¤ pessoa. Nesse caso , o narrador-onisciente faz uso do discurso indireto livre. Assim também o enredo é conhecido plenamente : os antecedentes das ações , seus pressupostos , suas estrelinhas , seu futuro e suas consequências.   No trecho a seguir , veja que o narrador é capaz de contar o que vai pela mente da cachorra Baleia:

"Baleia respirava depressa, a boca aberta , os queixos desgovernados , a língua pendente e insensível . Não sabia o que tinha sucedido . O estrondo , a pancada que recebera no quarto e a viagem difícil do barreiro ao fim do pátio desvaneciam-se no seu espírito. Provavelmente estava a cozinha , entre as pedras que serviam de trempe. Antes de se deitar , Sinhá Vitória retirava dali os carvões e a cinza , varria com um molho de vassourinha o chão queimado , e aquilo ficava um bom lugar para cachorro descansar. O calor afugentava as pulgas , a terra se amaciava. E, findos os cochilos , numerosos preás corriam e saltavam , um formigueiro de preás invadia a cozinha. A tremuda sabia , deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia. Do peito para trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do corpo se arrepiava , espinhos de mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença. Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria , certamente Sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo. Baleia queria dormir . Acordaria feliz num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme , num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás , gordos , enormes.

-Graciliano Ramos , Vidas Secas . São Paulo, Record , 1977.

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