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sexta-feira, 14 de junho de 2019

Amores


Já dissemos que D. Maria tinha agora em casa sua sobrinha : o compadre , como a própria D. Maria pedira , continuou visitá-la , e nessas visitas passavam longo tempo em conversas particulares. Leonardo acompanhava sempre o seu padrinho e fazia diabruras pela casa enquanto estava em idade disso , e depois que lhes perdeu o gosto , sentava-se em um canto e dormia de aborrecimento. Disso resultou que detestava profundamente as visitas , e que só se sujeitava a elas obrigado pelo padrinho. Em uma das últimas vezes que foram à casa de D. Maria , esta , assim que os viu entrar , dirigiu-se ao compadre e disse-lhe muito contente :

- Ora, afinal venci a minha campanha... Veio ontem para o meu poder a menina... O tal velhaco do compadre de meu irmão não levou a sua avante.

-Muitos parabéns , muitos parabéns! Respondeu o compadre.

Leonardo deu pouco atenção a isso ; há muito tempo que ouvia falar da tal sobrinha ; sentou-se a um canto , e começou a bocejar como de costume.

Depois de mais algumas palavras trocadas entre os duos , D. Maria chamou por sua sobrinha , e esta apareceu. Leonardo lançou-lhe os olhos , e a custo conteve o riso. Era a sobrinha de D.Maria já muito desenvolvida , porém  que , tendo perdido as graças de menina , ainda não tinha adquirido a beleza de moça : era alta , magra , pálida : andava com o queixo enterrado no peito , trazia as pálpebras sempre baixas , e olhava a furto ; tinha os braços finos e compridos ; o cabelo, cortado , dava-lhe apenas até o pescoço , e como andava mal penteada e trazia a cabeça sempre baixa , uma baixa , uma grande porção lhe caía sobre a testa e olhos , como uma viseira. Trajava nesse dia um vestido de chita roxa muito comprido, quase sem roda , e de cintura muito curta ; tinha ao pescoço um leno encarnado de alcobaça. Por mais que o compadre a  questionasse , apenas murmurou algumas frases ininteligíveis com voz rouca e sumida . Mal a deixaram livre , desapareceu sem olhar para ninguém. Vendo-ir-se , Leonardo tornou a rir-se interiormente. Quando se retiraram, riu-se ele pelo caminho à sua vontade. O padrinho indagou a causa da sua hilaridade ; respondeu-lhe que não se podia lembrar da menina sem rir-se.

-Então lembras-te dela muito a miúdo , porque muito a miúdo te ris.

Leonardo viu que esta observação era verdadeira. Durante alguns dias umas poucas de vezes falou na sobrinha da D.Maria ; e apenas o padrinho lhe anunciou que teriam de fazer a visita do costume , sem saber por que , pulou de contente , e , ao contrário dos outros dias , foi o primeiro a vestir-se e dar-se por pronto. Saíram e encaminharam-se para seu destino.  -Manuel Antônio e Almeida. Memórias de um sargento de milícias. Ed.Crítica de Cecília de Lara. Rio de Janeiro , Livros Técnicos e Científicos, 1978.

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