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quarta-feira, 7 de março de 2018

Os Sonhos Dos Adolescentes



Ao longo de 30 anos de clínica , encontrei várias gerações de adolescentes ( a maioria, mas não todos, de classe média) e , se tivesse que comparar os jovens de hoje com os de dez ou 20 anos atrás , resumiria assim: eles sonham pequeno. É curioso , pois, pelo exemplo de pais , parente e vizinhos, os jovens de hoje sabem que sua origem não fecha seu destino: sua vida não tem que acontecer necessariamente no lugar onde nasceram , sua profissão não tem que ser a continuação da de seus pais. Pelo acesso a uma proliferação extraordinária de ficções e informações, eles conhecem uma pluralidade inédita de vidas possíveis. Apesar disso, em regra, os adolescentes e os pré-adolescentes de hoje tem devaneios sobre seu futuro muito parecidos com a vida da gente: eles sonham com um dia a dia que, para nós, adultos , não é sonho algum , mas o resultado (mais ou menos resignado) de compromissos e frustrações.  Um exemplo. Todos os jovens sabem que Greenpeace é uma ONG que pratica ações duras e aventurosas em defesa do meio ambiente. Alguns acham muito legal assistir , no noticiário, à intrépida abordagem de um baleeiro por um barco inflável de ativistas. Mas , entre eles , não encontro ninguém (nem de 12 ou 13 anos) que sonhe em ser militante do Greenpeace. Os mais entusiastas se propõem a estudar oceanografia ou veterinária, mas é para ser professor, funcionário ou profissional liberal. Eles são "razoáveis": seu sonho é um ajuste entre suas aspirações heroico-ecológicas e as "necessidades" concretas (segurança do emprego , plano de saúde e aposentadoria). [...] É possível que, por sua própria presença maciça em nossas telas, as ficções tenham perdido sua função essencial e sejam contempladas não como um repertório arrebatador de vidas possíveis , mas como um caleidoscópio para alegrar os olhos , um simples entretenimento. Os heróis percorrem o mundo matando dragões, defendendo causas e encontrando amores solares, mas eles não nos inspiram: eles nos divertem , enquanto, comportadamente , aspiramos a um churrasco [...] com os amigos. É também possível (sem contradizer a hipótese anterior) que os adultos não saibam mais sonhar muito além de seu raiz. Ora, a capacidade de os adolescentes inventarem seu futuro depende dos sonhos aos quais nós renunciamos. Pode ser que, quando eles procuram, nas entrelinhas de nossas falas , as aspirações das quais desistimos, eles se deparem apenas com versões melhoradas da mesma vida acomodada que, mal ou bem, conseguimos arrumar. Cada época tem os adolescentes que merece.

-Calligaris, Contardo. Os sonhos dos adolescentes. Folha de S. Paulo, 11 Jan. 2007. Ilustrada, p. E10.


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