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quarta-feira, 28 de março de 2018

Robinson Crusoe - O Diário das Virtudes Mercantis


   Segundo Ítalo Calvino , a primeira edição de ROBINSON Crusoe, em 1719 , não trazia o nome do autor , pois a obra deveria ser considerada " um verdadeiro livro de memórias escritas pelo náufrago". "Era um momento em que as histórias de mar e de piratas faziam sucesso [...]. Assim veio à cabeça de um panfletista em desgraça e sem dinheiro contar uma história do gênero como memórias de um marinheiro desconhecido. Esse improvisado romancista era um homem de quase 60 anos, Daniel Defoe (1660-1731) , bastante conhecido pelas crônicas políticas da época , inclusive por suas condenações ao pelourinho, e autor de um mar de escritos de todos os gêneros , assinados ou mais frequentemente anônimos . [...] Nasce , portanto , essa matriz do romance moderno, bem distante do terreno da literatura culta: bem no meio do amontoado da produção livreira comercial , que se dirigia a um público de mulherzinhas , pequenos vendedores, garçons , camareiros , marinheiros , soldados [...] E não se pode dizer que uma origem tão prática de livro projetado como negócio desabone aquele que será considerado autêntica bíblia das virtudes mercantis e industriais , a epopeia da iniciativa individual . Nem está em contradição com a vida de Defoe , com sua figura controversa de pregador e aventureiro [...] aquela mescla de aventura , espírito prático e compunção moralista que será dotes fundamentais do capitalismo anglo-saxão nas duas margens do Atlântico. [...] Minuciosas até o exagero são as descrições das operações manuais de Robinson : como ele escava a casa na rocha , cerca-a com uma paliçada , constrói um barco que depois não consegue transportar até o ma, aprende a modelar e a cozer vasos e tijolos. Por esse empenho e prazer em descrever as técnicas de Robinson, Defoe chegou até nós como o poeta da paciente luta do homem com a matéria, da humildade e grandeza do fazer , da alegria de ver nascer as coisas de nossas mãos [...] A conduta de Defoe é, em Crusoe e nos romances posteriores , bastante similar à do homem de negócios respeitador das normas que na hora do culto vai à igreja e bate no peito , e logo se apressa em sair para não perder tempo no trabalho. [...]" Fonte: Calvino, Italo. Por que ler os clássicos. São Paulo : Companhia das Letras , 1998. P. 102-107.

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