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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

O Impasse Entre O Ser E O Devir


As questões da identidade e da mudança têm sido objeto da indagação filosófica desde a Antiguidade. Na Grécia Antiga, por exemplo, identificamos a oposição entre heraclitianos e eleatas. Os primeiros, inspirados pelas ideias de Heráclito de Éfeso, afirmavam a realidade do devir, isto é, da própria mudança. Um de seus argumentos era o de que um homem não pode entrar duas vezes em um rio porque as águas estão sempre fluindo, de modo que , na segunda vez , não serão as mesmas águas, e , portanto, também será o mesmo rio: 

"Não se pode pisar duas vezes no mesmo rio, assim como não se pode alcançar nenhuma substância mortal numa condição estável, pois tudo se espalha e novamente se recolhe , se forma e se dissolve , chega e vai embora. " 

- Khan, Charles H. The Art And Thought os Heraclitus : an edition of the fragmentos with translation and commentary . Cambridge : Cambridge University Press , 1981 . p.53. (tradução do autor). 

Na verdade, o próprio Heráclito acreditava na existência daquilo que ele chamava de "logos", um princípio fundamental que permaneceria o mesmo em face das mudanças . Mesmo assim, os seguidores de Heráclito eram enfáticos ao afirmar que tudo muda. Em oposição à doutrina heraclitiana , os eleatas afirmavam a realidade do ser imutável . O principal expoente da escola eleata foi Parmênides , contemporâneo de Heráclito . Parmênides partia de uma constatação aparentemente muito simples : o Ser é. Aceitar essa constatação significa logicamente aceitar também que o não Ser não é: 

" Necessário é o dizer e pensar que (o) em te é ; pois é ser, e nada não é ; isto eu te mando considerar. Pois primeiro desta via de inquérito eu te afasto, mas depois daquela outra , em que mortais que nada sabem erram, duplas cabeças , pois o imediato em seus peitos dirige errante pensamento; e são levados como surdos e cegos, perplexas , indecisas massas, para os quais ser e não ser é reputado o mesmo e não o mesmo , e de tudo é reversível o caminho."

-Fragmento de um texto de Parmênides apresentado pelo comentador Simplício da Cicília, que viveu no século XVI d.C . I. Pre-socráticos , fragmentos doxografia e comentários . São Paulo : Nova Cultural, 1999 . p. 122. (Coleção Os Pensadores).

Essa constatação inicial de Parmênides levou os eleatas a uma conclusão radical : a mudança não existe , a mudança não passa de mera ilusão . Acompanhemos o raciocínio parmenidiano : se o ser deixa de ser o que é, então o que ele se torna? Não há alternativa senão o não ser, mas isso seria absurdo , pois, do nada , nada vem. A conclusão , portanto, é que a afirmação do ser implica necessariamente a negação da possibilidade de qualquer que seja a mudança. 

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